Muitos pais idealizam nas crianças os sonhos que não puderam realizar, criando o ‘filho perfeito’, porém isso se torna um problema quando vira uma obrigação
A relação entre pais e filhos deve ser harmoniosa e sem conflitos, mas muitas vezes os pais acabam criando expectativas demasiadas, já idealizando um futuro para a criança antes dela fazer as suas próprias escolhas.
Não há nada de errado em planejar a vida ideal para os filhos, o problema surge quando essa idealização causa dificuldades no relacionamento, de acordo com o que diz a psicóloga Rosângela Brandão. “Entre o ideal e o real surgem frustrações, decepções e situações, que precisam ser aceitas para que os pais possam aprender”.
A psicóloga explica que, no decorrer do desenvolvimento, são encontradas situações de pais que gostariam que seus filhos tocassem algum instrumento musical, fizessem esportes que as notas nos estudos fossem excelentes, que as escolhas da faculdade fossem de acordo com o desejo deles, ou até mesmo que as escolhas sexuais se igualem ao desejo deles.
“Não podemos projetar nos filhos os nossos próprios desejos e frustrações. Tudo aquilo que não conseguimos fazer em nossa época não deveria ser um problema agora, para os filhos. São frustrações e desilusões que são refletidas na educação dos filhos, para que os pais consigam ‘realizar’ de alguma forma esse desejo”.
Para uma boa convivência
Rosângela diz que a palavra chave nesta questão é o equilíbrio. “Se não houver equilíbrio, haverá um desgaste emocional e riscos para a saúde mental, tanto dos filhos quanto dos pais. Os filhos também têm suas ideias, sonhos, desejos e esperam sempre que os pais sejam compreensivos, companheiros e que os ouçam mais”.
Outra observação da psicóloga é que muitos pais reclamam de atitudes dos filhos que eles mesmo praticam. “Por exemplo: os pais reclamam que os filhos só passam o tempo no celular, só que muitos deles fazem a mesma coisa”. Nesta questão entra também a influência exercida, pois os filhos se espelham nos pais, que são seus modelos de vida.
“Quando os pais não aceitam as escolhas dos filhos, eles se sentem excluídos e não se sentem amados. Uns se isolam socialmente, outros acabam sempre indo mal na escola, repetindo o ciclo do amor sob condições, outros se rebelam e desenvolvem comportamentos inadequados e não aceitos socialmente”, diz especialista.
Segundo a psicopedagoga Eleusa Leardini, a perfeição ou a falsa ideia de perfeição projetada para os filhos derivam também de crenças, do senso comum, das convenções sociais ou a veiculação da mídia impondo à sociedade modos de pensar e agir no convívio social.
“Algumas pessoas na sociedade tomam para si a ideia de perfeição devido aos mecanismos de comparação entre as crianças e os próprios filhos. Nesta situação, reside um intrínseco perigo. A criança ouve constantemente a comparação negativa em relação as outras crianças ou irmãos mais novos ou mais velhos, podendo apresentar um estado emocional comprometido e também negativo da percepção de si própria, sua identidade ou personalidade”, afirma Eleusa.
A profissional diz que algumas das manifestações ideológicas para tal situação podem desencadear a baixa autoestima, a passividade, falta de segurança e confiança em suas possibilidades, apatia, falta de empatia, repressão de sentimentos diversos, solidão, revolta, entre outros aspectos.
‘Meu irmão é o preferido’
Em relação aos pais terem o seu filho preferido no caso de terem mais de um, Eleusa diz que o equilíbrio entre compreender, aceitar e respeitar a identidade de cada filho é essencial nas relações familiares. “Ninguém é igual a ninguém. Os pais e a família precisam lidar com as diferenças, preferências e características de personalidade de cada filho, baixando as expectativas e comparação entre ambos”.
A especialista também diz que, “o respeito à identidade também compreende o modo de se relacionar e conviver com as pessoas, situações, eventos, entre outras. Respeitar as preferências de sonos, alimentação, diversões, entre outros aspectos, facilitam a convivência harmoniosa entre todos da família, gerando sentimentos de confiança, segurança, autoestima elevada e de pertencimento. O respeito à cada fase da criança é primordial”.
Dicas de um bom relacionamento entre pais e filhos
A psicopedagoga Eleusa Leardini e a psicóloga Rosângela Brandão dão dicas de como ter um relacionamento harmonioso entre pais e filhos, sem haver muitas cobranças e exigências.
- Respeitar cada fase de desenvolvimento dos filhos.
- Compreender que cada criança é única, dotada de habilidades e competências que auxiliam ou dificultam a convivência interpessoal, bem como, a forma como lidam com as demandas do dia a dia.
- Compreender que cada criança tem seu ritmo de desenvolvimento e aprendizagem.
- Possibilitar que a criança possa expressar seus sentimentos e pensamentos livremente sem repreensões.
- Estimular a criança a expressar desejos, vontades e preferências.
- Estimular uma escuta ativa em todas as situações em que a comunicação se fizer necessária com possibilidades de falar e ser ouvida de maneira clara com outras pessoas.
- Brincar e interagir com pessoas, situações e eventos diversificados que proporcionam sentimentos de satisfação pessoal e confiança. Conheça os amigos de seus filhos e permita que frequentem sua casa.
- Proporcionar equilíbrio ao atender as vontades e desejos das crianças de forma que ela possa compreender que as situações não são rígidas ou resolvidas sempre da mesma forma.
- Proporcionar situações para vivenciar frustrações expressando todos os seus sentimentos como tédio, raiva, alegria, satisfação, euforia.
- Acolher as dificuldades e limitações da criança de forma a auxiliá-la a superá-las dentro de suas capacidades e possibilidades para o momento.
- Acolher sentimentos como medo, raiva, preocupação, aflição com afetividade e paciência considerando que a criança está em processo de desenvolvimento gradual e não percebe ou compreende tais sentimentos da mesma forma como o adulto.
- Acolher o modo próprio de pensar e agir de cada criança compreendendo que a lógica da criança é diferente da lógica do adulto.
- Incentivar a motivação e a autoestima positiva da criança.
- Colocar limites. Dizer não quando realmente for necessário. Negociar situações em que podem ser negociáveis para que a criança compreenda as limitações das demandas de convívio social, demonstrando flexibilidade e autorregulação em pequenas tomadas de decisões.
- Não subestimar as capacidades da criança, oferecendo oportunidades de compreender o mundo físico e social, bem como, as demandas geradas da convivência com outras pessoas.
- Não verbalizar comparações que se referem a outras crianças respeitando sua personalidade.
- Demonstrar por atos e palavras que o diálogo é sempre o melhor caminho para estabelecer canais de comunicação efetivas e significativas.
- Proporcionar o contato com a natureza e seus elementos nas mais diferentes situações. Deixe o celular em segundo plano.
- Minimizar situações de conflitos e indisposições desnecessárias quando as diferenças de personalidades ou ideias se manifestam contrárias nas relações interpessoais. Cada um pensa e se expressa de formas diferentes.
- Incentivar a criança a perceber o papel que todos ocupam na família.
- Assistam filmes juntos e façam refeições juntos, na mesa.
- Saia para tomar um lanche sozinho com seu filho, crie esse momento de intimidade.
- Não ouça seus segredos e depois conte-os em uma discussão.